Chamada para dossiê temático: O Audiovisual Brasileiro e as Políticas Públicas
O Audiovisual Brasileiro e as Políticas Públicas
Como indicou Jean-Claude Bernardet no clássico Cinema brasileiro: propostas para uma história (2009), o mercado ocupado pelo produto estrangeiro é uma das principais marcas da história da nossa produção, assim como a ação do Estado visando criar um espaço para o filme nacional. No século XXI, este cenário continua a se repetir, inclusive no que tange a certa tibieza do Estado em diversos momentos, historicamente preso a uma perspectiva eminentemente cultural acerca do cinema e pouco atento a questões econômicas e de mercado (Autran, 2013).
Esse quadro provoca desequilíbrios em diversos elos da cadeia produtiva do audiovisual no Brasil, criando falhas de mercado difíceis de serem superadas, a exemplo da falta de mecanismos de regulação específicos para a relação da TV aberta e do streaming com a produção nacional brasileira de caráter independente. Por outro lado, a presença de representantes da sociedade civil organizada no processo de formulação dos planos de cultura e das políticas, ao longo dos anos, estimulou o amadurecimento do debate promovendo a criação da Ancine (Agência Nacional do Cinema), em 2001; a adoção de uma eficiente legislação para o setor da TV paga, via Lei no 12.485/11; assim como a inclusão da diversidade como diretriz matricial de variadas políticas vinculadas ao audiovisual que se desdobraram em chamadas públicas do setor contemplando questões de gênero, raça e regionalidade.
Nesse pequeno retrospecto, fica evidente a continuidade o papel do Estado como agente central para o campo do audiovisual brasileiro, seja pela sua presença ou por sua ausência, haja vista a discussão acalorada sobre as atividades das empresas de streaming no mercado nacional, que, apesar de alguns esforços da Ancine (Ladeira; De Marchi, 2020), seguem - até o momento - livres de regulamentação específica por parte do Estado. Essas atividades estão marcadas por procedimentos negativos sobre a produção de base nacional: ausência de recolhimentos de impostos relacionados com o desenvolvimento da indústria nacional, falta de presença e proeminência dos títulos brasileiros nos catálogos, relações de produção de tipo predatório com as empresas nacionais, falta de prestação de informações fidedignas aos órgãos públicos.
É consenso na literatura, e nos círculos acadêmicos e políticos de debate, que a política pública deve ser baseada em evidências, por meio da verificação sistemática de suas premissas, escopo e resultados (Arretche, 2003; Costa; Castanhar, 2003). É, portanto, no sentido de sistematizar e verificar os processos de formulação, implementação e impactos das políticas públicas para o audiovisual que lançamos esse dossiê especial, estimulando pesquisadores a explorarem o assunto.
Dentre outros temas possíveis, indicamos os seguintes para a presente chamada:
- Processos históricos da regulação e regulamentação do setor audiovisual no Brasil;
- Experiências internacionais de regulamentação das janelas de exibição (cinema, TV aberta, TV fechada e serviços de streaming);
- A história dos lobbies das empresas audiovisuais estrangeiras contra as legislações protecionistas no Brasil;
- O consumo do audiovisual no Brasil;
- Impactos das políticas públicas para o audiovisual, de abrangência nacional, local ou regional;
- As políticas públicas desenvolvidas por estados e municípios;
- Relações de trabalho na atividade audiovisual contemporânea;
- A internacionalização da produção brasileira e sua relação com as políticas públicas.
Referências
ARRETCHE, Marta. Dossiê agenda de pesquisa em políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 51, p. 7-9, fev. 2003
AUTRAN, Arthur. O pensamento industrial cinematográfico brasileiro. São Paulo: Hucitec, 2013.
BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
COSTA, Frederico Lustosa da; CASTANHAR, José Cezar. Avaliação de programas públicos: desafios conceituais e metodológicos. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 37, n. 5, p. 962-969, set./out. 2003.
LADEIRA, João Martins; DE MARCHI, Leonardo. Rede de imbróglios: a regulação do streaming no Brasil e suas ambiguidades. Contracampo, Niterói, v. 38, n. 3, p. 68-79, dez. 2019 – mar. 2020.